Enquanto organizo as prateleiras eu ouço: ♪ Tão Sozinho (Los Hermanos)
♫ “Ah vai, me diz o que é o sossego, que eu te mostro alguém afim de te acompanhar ... E se o tempo for te levar, eu sigo essa hora e pego carona pra te acompanhar...”.
Fazia frio, muito frio. Da sacadinha em que eu me encolhia e tentava me esquentar, a pequena multidão lá embaixo era uma massa colorida de capuzes, blusões de frio e gente animada fazendo coro pra banda cover do Los Hermanos. O vocalista, apesar de pequeno, parecia ter pulmões de aço e vez ou outra gritava afinado. Fechei os olhos e concluí: se eu quisesse me iludir, diria que era o Marcelo Camelo no palco em carne, osso e barba, tamanha semelhança na voz.
♫ “O vento vai dizer, lento, o que virá... E se chover demais a gente vai saber...”.
Era difícil não se empolgar. Todo mundo cantando junto, pulando, tentando espantar o vento gelado. Mesmo não estando no meio da muvuca, me peguei dançando e acompanhando a canção de um jeito quase histérico. Comecei a me balançar um pouco mais, provavelmente no cúmulo do desengonço, enquanto bebia a Coca-Cola mais cara que já comprei na vida. E foi no exato segundo em que eu reclamava do preço e prometia outra abstinência de refrigerante pra desencargo de consciência, que eu dei de cara com ela: do lado oposto da sacada, quase escondida pelos estudantes que iam e voltavam com copos de cerveja ou pelos casaizinhos xavecando, uma menina chorava. Não sei se por frio ou por orgulho, ela cruzou os braços e não fez qualquer esforço pra limpar a mistura de lágrima e rímel que escorria bochecha abaixo, mas manteve o olhar centrado em algum ponto lá embaixo. Será que chorava por alguma coisa que via ou eram os pensamentos dela que faziam doer? Havia recebido uma notícia ruim por celular? Discutido com a colega de república? Brigado com o namorado?
♫ “Eu só aceito a condição de ter você só pra mim. Eu sei, não é assim...”.
A menina começou a cantar junto, mas parou. Apertou ainda mais os braços contra o peito, se encolheu um pouco e chorou com mais força. Isso tudo sem parar de olhar pra alguma coisa no meio da aglomeração no pátio. Não me segurei. Olhei na mesma direção e entre grupinhos que riam de alguma piada interna, gente que andava de um lado pro outro e turmas fazendo pose pra fotos que iam parar no Orkut, um casal se destacava. Era pra ele que a menina olhava. O rapaz e a outra garota só conversavam, mas daquele jeito próximo que era fácil prever o que ia rolar depois. Três, dois, um. Eles se beijaram. A menina que chorava desabou. Quase vi os pedacinhos dela no chão. Agora ela soluçava, desconsolada. Comecei a me perguntar se ela não tinha amigos. Poxa, ninguém pra ficar por perto, pedir pra não chorar ou até ficar em silêncio? Ao menos uma companhia mais impaciente que soltasse um discurso tipo: “Deixa de escândalo. Tá careca de saber que ele não gosta de você. Enquanto tu chora, ele vai levar a outra pra casa, passar a noite com ela e ...”. Não, não. Ela estava sozinha. Talvez por opção. “Me deixem sofrendo em paz, porra!”.
Se era isso mesmo, eu desrespeitei. Quando dei por mim, tinha parado na frente dela. “Moça, tá tudo bem?”. Pergunta estúpida. Mas ela me respondeu, sem olhar pra mim. “Tá sim. Eu só preciso chorar. E vai ser a última vez”. Nós duas sabíamos que não. E antes que eu dissesse qualquer coisa, ela ensaiou um sorriso: “Hoje. Última vez hoje”. Concordei, meio sem jeito, e me arrependi de ter puxado conversa. Não havia nada que eu pudesse fazer. Eu não tinha remédio algum pra dor que ela sentia. “Vai passar”, soltei. Ela riu de novo, ainda sem me encarar. “Não parece...”. Quem encarou o chão fui eu. “É só impressão”, disse meio gaguejando, e continuei:
- Você vai...
- ... esquecer? – ela completou.
- Não sei se era bem o que eu devia dizer ... Eu não sei...
E antes que o papo se estendesse, eu senti que precisava correr. Trocamos um tchau meio tímido, cheio de reticências. Eu sabia que ela ia continuar chorando. Ela sabia que eu ficaria refletindo sobre aquilo tudo.
♫ “Então tô indo pra onde você sempre quis. Adeus amor, eu quero ser feliz com meu coração...”.
Droga, lá estava eu comprando outra Coca-Cola mega-inflacionada. Eu precisava pensar.
4 comentários:
With the sun in your eyes and the wind in your face
To heaven you rise in a holy embrace
Your feet on the ground your head in the clouds
And you're wondering if you're ever coming down
In an instant the mysteries of life will unfold
The myths and the dragons of time will explode
Here's to a real understanding of truth
For compassion and grace to be given their chance too
Raise up your mind
It's time to shine
A moment down through millennium
Unveiling the secrets of songs to be sung
Waters of life flowing soft to the touch
Wisdom remembered have we forgotten oh so much
Raise up your mind
It's time to shine
Raise up your mind
Hey it's time to shine
Let's awaken from barbarity
Into a world of serenity
Beyond the rage of foolish pride
And on to the golden shores of paradise
Raise up your mind
Hey it's time to shine
(Time to Shine Queen + Paul Rodgers)
RAISE UP YOUR MIND NANEEEE!!!
IT'S TIME TO SHINE!!!!
Te amodoro muito
João di'Caetano
João: sempre pronto pra me deixar sem palavras... "I see your true colors shining through..."
Ai doeu ler este texto. Nane e sua capacidade de descrever situações e emoções.Putz eu te odeio...Vc realmente é uma Pragaaaa!
Hahaha... não sei se isso é bom ou ruim.
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