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quarta-feira, 7 de março de 2012

Estatística

Hey, Johnny Park! by Foo Fighters on Grooveshark

O Estadão nunca publicou, mas eu sei: 90% das pessoas sofrem por amor. Isso significa, meu bem, que tem mais gente com dor de cotovelo do que passando fome. Triste. Problema social e a ONU não faz nada. Aliás, quem faz? E não me venha falar em fé. Perdi minha religião muito antes do REM, só pra citar um. 

Recorrer a quem, baby, quando mesmo com tantas repartições e gerentes de departamento celeste o Cara Lá de Cima não foi capaz de contratar um santo sequer pra ser protetor dos Corações Fudidos? Quem suportaria a demanda de quase totalidade da população mundial?

Não há remédio, amor... Literalmente. Temos pílulas azuis pra quem brocha na hora H, mas cadê Viagra pras frustrações de todo dia? Cadê Aspirina pra dor do ciúme, hein? Hein? Hein? Hein? 

Cadê programa matutino sobre bem-estar ensinando a preparar um chazinho amargo e a fazer um exercício mais potente que qualquer atividade de yoga - talvez posição de inclinamento frontal, encaixe de quadris invertido e mãos direcionadas para a Meca - criada por um especialista tibetano em esquecimento de paixões mal resolvidas e pós-doutor em libertação espiritual de exus? 

Cadê sabonete desenvolvido nos melhores laboratórios de Paris pra esfoliar esse asco, limpar essa sujeira e levar água abaixo tudo o que ficou na pele? Cadê cura? Cadê tempo, sabedoria, bons conselhos e ações efetivamente maduras pra minha idade e desespero bem disfarçados? Cadê bebida alcóolica pra gerar amnésia seletiva? 

Cadê prateleira no supermercado com suprimentos em promoção, zero açúcar e saúde sentimental pra vender? Cadê terapia? Cadê classificados anunciando entrega em domicílio de sanidade seminova, mas testada, aprovada, com  nota fiscal e garantia de 50 anos? 

Cadê razão e motivos pra ser levada a sério quando fujo, arranco a toda, acelero, não respeito limites de velocidade, mas paro na primeira curva e te procuro no retrovisor? Cadê vergonha na cara e peito inflado de gente bem decidida, cadê cérebro? Cadê você? 

Isso eu sei. Também é estatística. E nada vai mudar.

domingo, 25 de dezembro de 2011

O calendário inteiro

    

Meia noite, chove, gente se abraça, troca lembrancinhas garantidas pelo 13º. Tanto clichê pra uma noite só. E as operadoras de telefonia celular facilitam a difusão de um outro ainda pior: mensagens melosas de gente que espera a tal "noite feliz" pra plagiar Mariah Carey - sem os gemidos em falsete - nas SMS curtas: "tudo o que eu quero de Natal é você"Tão ridículo pra mim. Jamais diria uma baboseira estúpida e brega dessas. Talvez porque não conseguisse mentir. A verdade é que te queria de presente o ano todo, te desembrulharia todas as noites e faria outras promessas metafóricas horrorosas pelo menos três vezes por semana.

Diria adeus a todos os anos velhos e viveria todos os anos novos contigo. Tiraria todas as suas fantasias, na avenida ou em qualquer lugar. Não teria medo dos meus aniversários e dos potes de Renew que eles trazem a cada vela que apago. Deturparia a "Sexta-Feira da Paixão" num trocadilho pra fechar a semana de uma forma nada santa. Curtiria a Páscoa numa boa, sem chocolates, mas saboreando a única delícia liberadora de endorfinas que não me engorda. Continuaria ignorando o Dia dos Namorados por mera implicância e por acreditar que poderia comemorar "você e eu" a qualquer dia, a qualquer hora, no meio do expediente ou de madrugada. Ok, me lembraria de rezar por Santo Antônio no dia 13, não sem antes resmungar por ter demorado tanto a me atender - esse careca continuaria de cabeça pra baixo lá em casa só por desaforo. 

Comemoraria a minha independência que viraria morte se me sentisse sozinha de novo. Me aceitaria criança e dividiria meus "brinquedos" com você. Te daria doces e faria travessuras...

Não odiaria a folhinha, ímã na porta da geladeira. Tudo bem pra esse "tempo, tempo mano velho" que não para.  Começaria tudo de novo, à meia noite, com chuva, gente se abraçando, trocando 
lembrancinhas garantidas pelo 13º . E daí pros clichês? Em meio a tanta mesmice que nunca se renova, eu adoraria repetir você.

domingo, 6 de novembro de 2011

Deixa estar...



Mais do que irônico, o Destino era um filho da puta. Principalmente porque formava um belo casal com a Coincidência e a agarrava em todas as festas
open bar, em cima do palco, ao lado da bandinha que convencia com um som muito bom até fazer cover daqueles caras que só você e o irmão dela realmente curtem. Não fossem a sobriedade que sempre existe independente das doses de cerveja e vodka e o bom senso que, acredite, ela tem mesmo gostando de você, ela se rebelaria feito um líbio antes da tal Primavera. Típico. Tão idiota quanto acreditar que, entre rir da cara dela e programar a próxima chacota, Destino e Coincidência se davam um belo beijo pra selar o relacionamento. De língua. Censurado pra menores antes das 22h e maiores com tesão engarrafado a qualquer hora do dia. É. 

Naquela hora, músicas sobre "rodas gigantes", "primas" e "mordidas" eram tão cretinas quanto uma coletânea inteira, em CD duplo, com versões ao vivo, instrumentais e remixes do Bryan Adams. No repeat. Mas sem ser brega. Foda.

Fazer o quê? Sentar e esperar passar. Tentar ouvir a consciência em meio à barulheira toda de gente excessivamente feliz que celebrava até a ocupação da Rocinha. Com aquele índice de álcool poluindo todos os poros, era capaz de imaginar um diabinho vagabundo - que não vestia Prada, lógico - sussurrando "liga ou manda uma mensagem dizendo que sentiu saudades". Mas teimosia era algo que ela tinha de sobra. Ou pensava que sim. E falta nenhuma justificava ceder, voltar atrás, pedir arrego, trancar o orgulho no banheiro nojento da festa e tentar preencher com qualquer coisinha aquele vácuo que incomodava. Ela sabia que já não era simplesmente "vazio". Isso ela sentia aos 12 anos quando escrevia num diário cor de rosa e com perfume produzido na "Zona Franca" da 25 de Março. Agora era quase um buraco negro que só certezas e um "eu quero me arriscar. Eu quero você" poderiam esconder.


Tocaram Beatles. Ela quis dançar. Eu quero segurar sua mão. Aff... ela parou de novo. Ficou pensando. "Querer" não tinha ligação nenhuma com "poder". Mais um copo de cerveja. "Se eu ceder, ponho a culpa na bebida. Pesquisas apontam que álcool aumenta o índice de carência por 'célula quadrada'. Deu no Estadão". Mais Beatles. Well, shake it up, baby, now... Twist and shout. Boa ideia. Era o que ela queria fazer. E esquecer que era o Ringo Starr apagadinho em meio a tantos Johns e Pauls no mundo de... de quem mesmo? Foda-se. Tudo. Inclusive essa comparação horrorosa de colunista demitido da Rolling Stone. "Vai passar. Não ligo pra merda alguma até a música parar".


E quando a festa acabasse - sempre acaba -, a maquiagem derretesse, o cabelo embaraçasse  e ela tivesse que voltar pra casa... ela poderia fazer qualquer coisa antes de dormir. Até rezar. E se lembrar de
Let it be. "Vai haver uma resposta. Deixe estar...". 

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Criança



Tinha sido uma menina tranquila, quase apagadinha, sem grandes histórias pra serem contadas nos almoços de família. Nunca havia enfiado o dedo na tomada, sacaneado com o cachorro, quebrado o brinquedo da amiguinha, esparramado farinha casa afora ou encenado um acesso de birra histórico dentro do supermercado por causa de um pacote de balas. Nada. Ficava sentadinha apanhando de algum primo mais velho, sendo chantageada pela coleguinha com apelido de refrigerante ou colorindo os cantinhos da parede - o que ninguém descobria até os dias de faxina e arrastação de móveis. No máximo se espatifava correndo de bicicleta morro abaixo, mas 300 caixas de band-aids na conta da farmácia e um amassadinho eterno no bumbum eram detalhes.

Fato é que cresceu do avesso. Mas Freud não explicava. Nem a melhor amiga, uma música da Adele, as apresentadoras da GNT, escritoras-pra-quem-tem-quase-30 ou qualquer cronista sentimentaloide que misturasse ser, amadurecer, fazer, dar, amar, se perder. E sem respostas virou uma adulta no RG e nas contas pra pagar com uma criança barulhenta esperneando dentro dela, perguntando por que, gritando "eu quero agora", ficando de mal com quem não queria brincar mais, fazendo bico quando ouvia "não" e se encolhendo quando percebia que jamais ganharia alguma coisa, mesmo que fosse Natal. Foi assim que entendeu, às turras, que castigo nunca foi se ajoelhar no milho, ficar trancada no quarto, perder o direito à mesada, ser proibida de ir à rua. Era poder fazer tudo, voltar pra casa depois de escurecer, se misturar com os meninos, mas sem ter graça nenhuma quando a madrugada vinha sem colo, sem história pra dormir, sem cobertor. 

E por ter certeza de que queria o que estava na prateleira mais alta dela, mas ao alcance de todo mundo, tentava ganhar no grito, no choro, na pose de "dona da verdade", no "por favor" mais meloso e arrastado, mordendo, xingando, dramatizando, protestando meio que implorando, aquilo que tanta gente tinha sem pedir e até sem querer. Não adiantava. E era aí que aprendia a crescer. 

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Dois anos, sete meses... e 'oi'





Se encontraram bem no estilo de seriados americanos cancelados na metade da segunda temporada: em um bar. Ela sentada com as pernas cruzadas em frente a um balcão, ele ainda na entrada procurando uma mesa pra fechar a noite. Sozinho, apesar da aliança reluzente na mão direita. Se viram, não se cumprimentaram. Ela desviou o rosto e encarou a TV que transmitia um jogo qualquer de futebol. Ele continuou olhando, meio lerdo, pensando se ela ainda queria cravar uma faca na jugular dele ou preferia um método mais rápido, tipo um tiro de rifle a queima-roupa. Fez pior: fingiu que não o viu. Como sempre. E naquela noite em que não tinha nada pra fazer, ele resolveu tentar conversar. 

Pra ela fazia dois anos, sete meses, três semanas e quatro dias desde a última vez. Pra ele fazia um tempão. Soltou a primeira coisa idiota, quase íntima e no estilo como-se-nada-tivesse-acontecido que veio à cabeça.

- Duvido que já tenha aprendido o que é um impedimento.

Ela riu. A contragosto, claro. Mas a cara de pau dele era tão absurdamente divertida e politicamente incorreta que não podia resistir. Ela gostava e ele sabia. Mas no mesmo rosto que sorria havia os olhos carregados. Já não tinham tantas lágrimas quanto ele havia se acostumado a ver e nem a inocência de quem esperava uma resposta. Eram duros, vazios e encaravam um homem alto, cabelo desgrenhado e barba por fazer. Não o cara a quem pediria colo ou "segredos de liquidificador" noite afora em um canto qualquer. E ele entendeu. 

O cabelo dela podia estar bem mais comprido e ajeitado no estilo "acabei de acordar", a cintura mais fina, as coxas mais grossas, as unhas menos roídas e o rosto dela... ah, de dois anos, sete meses, três semanas e quatro dias só tinha os olhos puxados... mas ele ainda conseguia lê-la e a achava estranhamente bonita. Incomodava, como sempre. Sabia que podia ser diferente, que podia arrastá-la dali pra cama mais próxima. Mas não teve coragem. Como sempre também.

Ela pediu a conta, agarrou o molho de chaves, a bolsa, e saiu pisando duro depois de um tchau perdido no sorriso torto. Ele foi atrás. Pela primeira vez. 

- Me desculpa. 

Ela quis perguntar pelo quê exatamente: se por ter mentido, se por ter ido embora, se por ter quebrado promessas, se por ter reduzido toda dor dela a um "vai passar. Tudo passa. Inclusive o que sente por mim". Ficou quieta. Dessa vez ela não soltou um "tudo bem". Foi embora. E nessa hora ele reconheceu a mesma jovenzinha inocente, teimosa e selvagem que ele não quis domar. Era ainda uma garota engarrafada e baixinha que odiava quase todo mundo, mas amava com uma força insuportável e sufocante alguns poucos e bons. Ele só não sabia em que lado estava. E caiu no sono muitas vezes depois de encarar o teto e tentar adivinhar.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Você. E só.




Casa comigo. Assim, agora. Divide esse apartamento aqui. A gente cabe nessa cama. A gente se aperta em qualquer lugar, por enquanto, até ter grana pra ganhar espaço e comprar uma mesinha de vidro e um vaso com flores pra sala. De repente até sobra pra assinar uma revista bacana, deixar alguns exemplares espalhados casa afora e fazer cena pra quem visita, tipo "a gente se curte tanto que mal sobra tempo pra coisas banais". A gente pode ter um quintal, um cachorro. Qualquer coisa que enfeite nós dois.

Eu não me importo se você tem uma coleção de camisetas e outra de souvenirs estranhos. Dá-se um jeito. Aposto que tudo isso combina com minha coleção de duas canecas - logo logo vou ter três - e os livros empacotados no cantinho.

A gente improvisa. A gente tenta. A gente faz a gente ser mesmo "a gente". Um mais um. Pra eu ser inteira, porque têm pedaços demais com você e não dá pra sair de casa, pegar o ônibus, enfrentar a fila do pão, ter paciência com a caixa do supermercado que lixa as unhas na minha frente ou dormir ouvindo os gritos do Dave Grohl se mãos, braços, pernas, sorrisos, desejos, digitais, canções, beijos, sono, calor... tudo dobrou a esquina te seguindo. Então casa comigo. E fica aqui.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Camuflagem



Primeiro foi a depiladora.
- Você não sente dor, querida?
- Não... Se eu cochilar, me acorda quando terminar?
- Tô chocada! Você é um um extra-terrestre ou homem enrustido?
Depois foi um colega de trabalho, enquanto ela desenhava no guardanapo toda a trajetória do Negueba num lance polêmico da Sub-20.
- Esquisita.
- O quê?
- Você. Às vezes te acho um menino.
- Ah... Se eu fosse a fim de você, teria partido meu coração com essa, sabia?
- Então você não tá interessada em mim?
- Claro que não.
- Viu só? É machinho. Todas as mulheres estão interessadas em mim.
- Vai tomar no cú.
- Aí! De novo. Piveta.
- ...
- Tá me xingando mentalmente? Não se reprima, baby.
- Tô bem assim, obrigada.
- Mal humorada. Tá precisando dar.
- Esse tipo de jogo psicológico não funciona comigo.
- Sabe de uma coisa? Se tá difícil assim agora, você vai ser um saco quando tiver 30 anos. E nem vai demorar, né?

Fato. Quase 30. Beirando. Em Sex and the city isso seria estúpida e futilmente glamouroso. Mas na vida real, num subúrbio da América do Sul,  o 3 com um zero à direita a colocava naquele limite em que um blog tipo o Taça em Y deixava de ser leitura condizente. Além disso, o papel de mulher-madura-cheia-de-iniciativa já não cabia nos scripts dela e o John Mayer havia descido do pedestal de "homem ideal" para "homem cachorrão" (leia-se "filho da puta") que ela nunca pegaria por mera incompetência. Merda suficiente pra questionar se era mesmo fruto de um espermatozóide esperto ou de uma semente bastarda de alface. Principalmente considerando o lado machinho, transex ideológico, que ela mantinha sabe-se lá por que.

Fez então um teste. Parou em frente ao espelho, tirou a calcinha e observou bem. É... não tinha um pinto. Embora fosse pequena e (muito) larga,  tinha curvas suficientes e uma bunda bem redonda pra comprovar que era fêmea. E muito. Mesmo porque, se não o fosse, nem Padre Quevedo explicaria a TPM galopante que a transformava em uma versão bronzeada e com um bocado de celulites do Godzilla uma vez ao mês. Mas a mulherzinha de esmalte roído, brincos prateados e sutiã com bojo fala palavrões, discute futebol, assiste pornôs e protesta contra a Marvel. É nerd, compra álbuns de figurinhas que nunca completa, adora anti-heróis, faria uma tatuagem gigante, já não acredita em horóscopos e não tem a menor vergonha de mostrar o dedo do meio. É uma moleca maior de idade, vacinada, debochada, despudorada, mal humorada, com desequilíbrio hormonal e incontinência emocional.

Tudo isso pra esconder a obviedade do rímel vencido, da roupa suja acumulada, da conta bancária zerada, da vontade de colo e da disposição 24h para um café (que ela odeia, mas acha chique). Não passa de uma versão sóbria, solteira e pobre da Courtney Love, mas sem ter um vizinho como o Lenny Kravitz, o que torna a vida ainda mais desgraçada. Raivosa e impetuosa, fica histérica madrugada afora e só não conversa com o tigre de pelúcia chamado Osvaldo porque a sanidade ainda existe e ela sabe que é ridículo. Tão ridículo quanto achar que aquela música fofa do Wallflowers podia ter sido escrita pra ela. Claro que não, tolinha... meninas que se escondem não inspiram ninguém.