segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Criança



Tinha sido uma menina tranquila, quase apagadinha, sem grandes histórias pra serem contadas nos almoços de família. Nunca havia enfiado o dedo na tomada, sacaneado com o cachorro, quebrado o brinquedo da amiguinha, esparramado farinha casa afora ou encenado um acesso de birra histórico dentro do supermercado por causa de um pacote de balas. Nada. Ficava sentadinha apanhando de algum primo mais velho, sendo chantageada pela coleguinha com apelido de refrigerante ou colorindo os cantinhos da parede - o que ninguém descobria até os dias de faxina e arrastação de móveis. No máximo se espatifava correndo de bicicleta morro abaixo, mas 300 caixas de band-aids na conta da farmácia e um amassadinho eterno no bumbum eram detalhes.

Fato é que cresceu do avesso. Mas Freud não explicava. Nem a melhor amiga, uma música da Adele, as apresentadoras da GNT, escritoras-pra-quem-tem-quase-30 ou qualquer cronista sentimentaloide que misturasse ser, amadurecer, fazer, dar, amar, se perder. E sem respostas virou uma adulta no RG e nas contas pra pagar com uma criança barulhenta esperneando dentro dela, perguntando por que, gritando "eu quero agora", ficando de mal com quem não queria brincar mais, fazendo bico quando ouvia "não" e se encolhendo quando percebia que jamais ganharia alguma coisa, mesmo que fosse Natal. Foi assim que entendeu, às turras, que castigo nunca foi se ajoelhar no milho, ficar trancada no quarto, perder o direito à mesada, ser proibida de ir à rua. Era poder fazer tudo, voltar pra casa depois de escurecer, se misturar com os meninos, mas sem ter graça nenhuma quando a madrugada vinha sem colo, sem história pra dormir, sem cobertor. 

E por ter certeza de que queria o que estava na prateleira mais alta dela, mas ao alcance de todo mundo, tentava ganhar no grito, no choro, na pose de "dona da verdade", no "por favor" mais meloso e arrastado, mordendo, xingando, dramatizando, protestando meio que implorando, aquilo que tanta gente tinha sem pedir e até sem querer. Não adiantava. E era aí que aprendia a crescer. 

3 comentários:

Andreza disse...

Perfeito como sempre, amiga! Lança um livro e me dá um autografo, por favor, (ok, pago pelo
livro não precisa dar de graça..rs). Parabéns!

Juliana Souza disse...

Agora tenho um predileto... por enquanto.Foi como dialogar com o texto.Também compro o livro...hehehe.\o/\o/\o/(aplausos)

Camila Chaves disse...

eu aceito a ideia do Livro, mas eu quero de graça... vou pagar não, afinal, eu eh q apoiei 'la luz en la escuridón' e eu co-escrevi tbm....
kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

e aki, gostei não, fikei me vendo, n gosto mais de vc nem do q vc escreve :P

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